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O (Tele)trabalho e a Saúde Psicológica dos Trabalhadores

A convite da Ordem dos Advogados, contribuí para a reflexão acerca da modalidade de trabalho à distância e a construção de locais de trabalho saudáveis, com o artigo de opinião "(Tele)trabalho e a Saúde Psicológica dos Trabalhadores para o seu Boletim.


No mundo contemporâneo, o trabalho tem um lugar central na vida da maioria das pessoas, possibilitando a identidade pessoal e uma oportunidade para contribuir significativamente para a vida em comunidade e, sobretudo, para a construção de um propósito e de sentido diário da existência – factor crítico para a saúde e o bem-estar que se expressam nas realidades organizacionais através da produtividade. Tal papel do trabalho emerge de uma multiplicidade de transformações e ímpetos da sociedade, observáveis no século XXI e já assinaláveis anteriormente após a terceira revolução industrial, decorrentes da internacionalização e da globalização das diferentes indústrias e mercados com disrupções no modo de vida das pessoas e com impacto nas exigências do mercado de trabalho, nomeadamente a nível da qualificação e das competências dos trabalhadores e da criação de uma atmosfera competitiva entre colegas de trabalho, o que não trouxe necessariamente os melhores resultados. As evoluções científicas, técnicas e tecnológicas, centradas nos sistemas e informação, também trouxeram novos desafios, novas formas e modalidades de trabalho, mudanças de projecto para projecto, horários de trabalho maleáveis, que exigem colaboradores flexíveis, adaptáveis, talentosos e criativos, num paradigma de volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade (VUCA).

O teletrabalho constitui-se como uma opção de estilo de trabalho que está longe de ser generalizável a todos os trabalhadores. Por um lado, se nem todas as funções se ajustam, para já, às condições do trabalho flexível e à virtualização, por outro, as características psicológicas dos trabalhadores, as dimensões sociais e ambientais da empresa são determinantes para uma adaptação bem-sucedida a este regime

O termo “Teletrabalho” vem da união da palavra grega “Telou”, que significa“longe” e, da palavra latina “Tripaliare” que significa “trabalhar”. O regime de teletrabalho ou de trabalho remoto, que não significa mais do que trabalho à distância e, por isso, realizado em qualquer ambiente fora do local físico da empresa, é sustentado pela tecnologia da informação e pode assumir diferentes tipologias como o trabalho a partir de casa, em pequenos escritórios satélites, telecentros, trabalho móvel, empresas remotas ou off-shore, trabalho informal ou teletrabalho misto. À variável local/espaço de trabalho juntam-se outras tais como o horário/tempo de trabalho, o tipo de contrato e as competências requeridas. Surge primeiramente como forma de as organizações reduzirem custos fixos e, a seguir, optimizarem tempo, melhorarem a qualidade de vida dos seus trabalhadores, reterem talentos e consequentemente estarem mais bem preparadas para acompanhar as inovações corporativas, agregando flexibilidade e agilidade à gestão do negócio. O teletrabalho constitui-se como uma opção de estilo de trabalho que está longe de ser generalizável a todos os trabalhadores. Por um lado, se nem todas as funções se ajustam, para já, às condições do trabalho flexível e à virtualização, por outro, as características psicológicas dos trabalhadores, as dimensões sociais e ambientais da empresa são determinantes para uma adaptação bem-sucedida a este regime. A implementação desta modalidade de trabalho exige mudanças, entre as quais de estrutura e de cultura organizacional. Assim, a relação de confiança entre as pessoas torna-se fundamental, pois aumenta a necessidade de delegar autonomia e poder de decisão, quer por parte do administrador/gestor/ chefia quer por parte do teletrabalhador. Este deve assumir um maior empenho para que surja uma nova forma de gestão.


Em termos teóricos, o exercício da actividade remota permite flexibilizar o tempo e o ritmo de trabalho abandonando-se o método tradicional de gestão centralizada na observação e controlo presencial, e, por conseguinte, favorece a organização e o trabalhador em relação à produtividade e qualidade de serviço. Na prática, para que tal se observe, implica um ainda maior e persistente compromisso com a promoção da auto-determinação das pessoas, facilitando os comportamentos e aptidões que as permitem ser agentes causais em relação ao seu futuro, ou seja, que tenham mais comportamentos intencionais assentes numa motivação intrínseca e, portanto, auto-regulados, sendo estes expressão do seu empoderamento psicológico e resultando em auto-realização. Neste âmbito, o desenvolvimento das pessoas e suas competências, as práticas de liderança apoiantes e autonomizadoras e a construção de um sentido de pertença e ambiente colaborativo assentes na socialização e em interacções sociais são determinantes para a saúde e o bem-estar e, portanto, para a produtividade, seja esta resultante de trabalho presencial ou à distância. Porventura, os desafios colocados aos gestores de organizações com teletrabalho são ainda maiores, não só pelas ainda limitadas soluções tecnológicas, mas sobretudo devido à parca consciência e domínio de práticas de gestão centradas nas pessoas e consequente impacto com aumento de custos por perdas de produtividade.


(…) implica um ainda maior e persistente compromisso com a promoção da autodeterminação das pessoas, facilitando os comportamentos e aptidões que as permitem ser agentes causais em relação ao seu futuro


Está já amplamente estudada pela ciência psicológica a relação entre exigências laborais, a organização do trabalho e seu conteúdo, as relações sociais e liderança, a interface trabalho-indivíduo, os valores no local de trabalho, a personalidade, o bem-estar e os comportamentos nas organizações e o desenvolvimento de problemas de saúde psicológica com origem no trabalho como o stresse, a ansiedade e o burnout. Tal, coloca a ênfase não apenas nas competências dos trabalhadores, mas também, e de forma muito saliente, na formação e desenvolvimento pessoal e profissional de quem tem responsabilidades pela organização do trabalho de outros.


Teresa Espassandim

Psicóloga especialista em Psicologia Clínica e da Saúde, Psicologia da Educação, Psicoterapia e Psicologia Vocacional e do Desenvolvimento da Carreira

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