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A ilustre desconhecida

“Tudo que o homem não conhece não existe para ele. Por isso o mundo tem, para cada um, o tamanho que abrange o seu conhecimento.” (Carlos Bernardo G. Pecotche)


A eleição de dias específicos para marcar acontecimentos ou temas importantes, seja internacionalmente pelas Nações Unidas ou a nível nacional pela nossa Assembleia da República, tem o objectivo de promover através da consciencialização e da acção, certos objectivos (pobreza, alimentação, direitos humanos, migrações, crise climática, envelhecimento, …). É disto exemplo, a celebração a 10 de Outubro do Dia Mundial da Saúde Mental, criando-se oportunidade para se falar acerca dos problemas de saúde mental e mobilizar esforços para a prevenção da doença e promoção da saúde.


Dados anteriores à pandemia indicam-nos que 1 em cada 5 Portugueses tem um problema de saúde mental (Almeida, J., & Xavier, M., 2009) colocando o nosso país, juntamente com a Irlanda do Norte, no lugar primeiro do pódio da prevalência destes problemas de saúde da Europa, sendo cumulativamente um dos maiores consumidores de psicofármacos. Adicionalmente, 3 em cada 5 pessoas trabalhadoras (60%) experienciam problemas de saúde psicológica devido aos ambientes de trabalho, sendo a depressão e a ansiedade os diagnósticos mais comuns (Mental Health at Work Report, 2017). Portugal regista, devido a estas questões, perdas de produtividade que ascendem a 3.2 mil milhões de euros anuais (OPP, 2020). Não obstante estes dados serem extremamente preocupantes (e temos razões para crer que actualmente o cenário seja pior), não há um investimento claro nas dimensões da prevenção e, em contexto de trabalho, pouco mais do que 10% das empresas referem ter procedimentos para lidar com os riscos psicossociais, como o stresse e o burnout (EU-OSHA, 2015).


Não será, pois, de admirar que no dia-a-dia testemunhemos situações em que a experienciação de problemas de saúde psicológica, como por exemplo um ataque de pânico ou uma crise de ansiedade, seja vivida com estranheza, vergonha, confusão, negação e solidão e seja adiada a procura de ajuda profissional, contribuindo-se para o agravamento clínico e para mais sofrimento humano. A ausência de protocolos de acção nas empresas para lidar com emergências psicológicas continua também a ser significativa, corroborando-se com silêncios o perpetuar desta realidade. Lamentavelmente e para agravar as enormes desigualdades sociais e económicas do nosso país, parece que não somos campeões em literacia em saúde…


A Organização Mundial da Saúde (OMS) define literacia em saúde como o conjunto de “competências cognitivas e sociais e a capacidade dos indivíduos para ganharem acesso a compreenderem e a usarem informação de formas que promovam e mantenham boa saúde”. Tal significa, no dia-a-dia, o conhecimento, a motivação e as competências para aceder (capacidade para procurar e obter informação), compreender (capacidade de compreender a informação sobre saúde à qual se acede), avaliar (capacidade de interpretar, filtrar, julgar e apreciar a informação de saúde à qual se acedeu) e aplicar (capacidade de comunicar e usar a informação para tomar uma decisão de manter e melhorar a saúde), contribuindo para um maior controlo das pessoas sobre a sua saúde e mais qualidade de vida. A mentalidade que adoptamos para nós mesmos age como um mestre de marionetas, puxando as cordas “quotidianas” de nossas possibilidades futuras, tanto no nível individual quanto no colectivo (Clifton, 2013), pelo que alterar os pressupostos que moldam a capacidade de uma pessoa para perceber e entender o mundo teria um efeito cascata e auto-realizável na realidade. Como é urgente a promoção da literacia em saúde psicológica nos ambientes de trabalho!


Há décadas que é conhecida a relação entre a saúde e bem-estar psicológico e a produtividade e o desempenho das organizações e a importância de diagnosticar e prevenir os factores de risco psicossocial, mas a saúde mental persiste em ser a “ilustre desconhecida” também das realidades empresariais. Nos últimos anos (e em muito contribuiu a situação de pandemia), assistimos à redução do estigma associado à doença mental, mas permanecemos longe de conseguir equilibrar o conjunto de práticas organizacionais favorecedoras da sustentabilidade do negócio e de outputs para as pessoas.

+ informação: https://eusinto.me/


[artigo publicado originalmente na Human Resources Portugal]


Teresa Espassandim

Psicóloga Especialista e Consultora

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